segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Um dia no Paraguai...

 - Meia, patrão, meia?
...
- Vai comprar, vai comprar?
...
            Essas são duas das principais falas dos paraguaios assim que você desce do carro e pisa, de fato, em solo estrangeiro. Um presságio ao capitalismo que nos espera. Assim que você estaciona seu automóvel, um rapazinho de não mais de doze anos, na maioria das vezes, pede para cuidar do carro em troca de, na volta, você comprar alguns pares de meia dele. Quanta segurança! Mas fazer o quê?
            Depois de esperar por mais ou menos duas horas na fila para poder entrar no país, você respira e pensa “o que que eu estou fazendo nesse fim de mundo?”. O calor é tanto que, reza a lenda, quando um mal-habitante morre e, claro está, vai para o inferno, ele se previne e leva um cobertor. Só para esclarecer: indo por Guaíra e em pleno verão de dezembro. Parece que só de chegar perto da divisa com o Mato Grosso do Sul o suor já começa a escorrer diferente, mais rápido e incômodo.
            Quanto à paisagem, o que mais me chamou a atenção foram as motos. São motos normais, mas quem as dirigia eram niños com a mesma idade daqueles que estavam cuidando dos carros. Capacete pra quê? Não havia! Eles passavam entre os carros, entre as pessoas que atravessavam as ruas entre os carros, eles passavam rápido e imprudentemente. Paraguai, país de todos e de ninguém.
            Você olha para os lados e vê uma discrepância muito grande entre cultura inata e cultura imposta, se é que assim podemos denominar. Na realidade, ou na ilusão, tudo depende do ponto de vista, o que você vê são apenas marcas. Marcas entre o pó e o calor. As pessoas são as marcas que elas compram. “Hola, cómo estás, señor Nike? Y usted señora Sony?”. As pessoas correm de um lado para outro, parecem que estão preocupadas, pensando em produtos, nas marcas, nas pessoas, nas marcas...
            Uma coisa muito legal também são as fachadas das lojas. Numa loja de pneus, a imagem era, do meio pra esquerda, obviamente, pneus, e do meio pra direita, uma mulher deitada e de biquini. Uma ótima estratégia de marketing, não?! Mas hoje em dia mulheres também compram acessórios para seus carros. Numa outra loja, a fachada trazia a foto de um niño, provavelmente o filho do dono. Não consegui ver ligação com os produtos que se vendia ali. Enfim, tudo muito criativo, mas kitsch.
            - Óculos! Não vai comprar? Não vai?!
Será que eles acham que vamos comprar tudo? Parece que querem descontar em nós todo o processo de globalização/colonização e capitalismo que sofreram. Alguém precisa dar um curso de técnica em vendas para esses chicos! Isso na rua, mas dentro dos shoppings a coisa é diferente. Há vendedoras, muitas brasileiras, e essas sempre muito simpáticas e sorridentes, conquistando o cliente mais pela aparência do que pelo produto. Pois é, eles importam não somente produtos baratos, mas mão-de-obra também.
Então você fica com fome e vai até a praça de alimentação do shopping China. Nome mais apropriado não há. Por um segundo você pensa: “agora vou comer alguma coisa típica daqui”. Coisa de quem está acostumado a visitar lugares culturalmente assentados. Então você pensa de novo: “mas qual a comida característica daqui? Tacos? Burritos? Nachos?”. Aí eu percebo o quão sou ignorante. Não sei o que eles comem. Olho para os lados, comida chinesa, comida italiana...  e comida mundial! Sim, o Burguer King!  O rei está ali, todo soberado, com seus súditos em fila indiana aguardando para reverenciá-lo. No fim da veneração, é você quem ganha a coroa.
Não teve jeito, pedi o trio: fritas, coca-cola e um lanche cujo nome em inglês não me lembro mais. Comi de pé porque havia tanta gente que não sobraram cadeiras. Olho para o lado e foco em um rapazinho com a coroa de papel do King na cabeça, todo sorridente, como se realmente fosse o dono do mundo. Mal sabe ele...
Não via a hora de ir embora. Três horas naquele lugar já estava insuportável. Falta de costume, talvez. As pessoas adoram comprar, o Paraguai, então, torna-se o paraíso.
Percebi , afinal, que isso não era uma viagem de turismo. É coisa de fronteira. No fundo achei que fosse encontrar alguma bela imagem de recordação, um souvenirO que, sem dúvidas, encontraria se adentrasse mais o país. Havia me esquecido que fui seduzido e levado até lá pelo capitalismo e lá mesmo engolido por ele. Por sua máscara de si mesmo. Valeu a experiência e a curtição com os amigos... ah, valeu também as amarulas que eu trouxe, estavam super em conta. Será que um dia alguém vai escrever um outro “Um dia no Paraguai...” e mencionar um “Señor Amarula”? Nada mais natural.

Marco Hruschka

2 comentários:

Anônimo disse...

Bela crônica...é a pura verdade, somos engolidos pelo ego capitalista que temos...produtos, marcas, aparências...
Mas valeu pela viagem com os amigos!

Unknown disse...

É a pura verdade, só que o Paraguay nao é só Ciudad del Este.

Sou brasileira e moro no Paraguay, sempre que algum brasileiro fica saendo disso a primeira pergunta é "Quanto custa isso ou aquilo?"

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Marco Hruschka é natural de Ivaiporã-PR, nascido em 26 de agosto de 1986. Morou toda a sua vida no norte do Paraná: passou a infância em Londrina e desde os 13 anos mora em Maringá. Sempre se interessou em escrever redações na época de colégio, mas descobriu que poderia ser escritor apenas com 21 anos. Influenciado por professores na faculdade – cursou Letras na Universidade Estadual de Maringá – começou escrevendo sonetos decassílabos heroicos, depois versos livres, contos, pensamentos e atualmente dedica-se a um novo projeto: contos eróticos. Seu primeiro poema publicado em livro (Antologia de poetas brasileiros contemporâneos – vol. 49) foi em 2008 e se chama “Carma”. De lá para cá já, entre poemas e contos, já publicou mais de 50, não apenas pela CBJE, mas também em outras antologias. Em 2010 publicou seu primeiro livro solo: “Tentação” (poemas – Editora Scortecci). Em 2014, publicou “No que você está pensando?” (Multifoco Editora), livro de pensamentos e reflexões escrito primordialmente no facebook. É professor de língua francesa e pesquisador literário.

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